domingo, 25 de maio de 2008

Escorregar

Há qualquer coisa a fazer-se mover por mim. Foi tão cru, tão transparentemente cruel das outras mil vezes anteriores que agora... Paraliso. Imóvel de corpo digo para dentro: pára, por favor! Chega. Não quero tudo outra vez, tudo de novo já tão velho. Identifico os passos, releio o manual da sequência ritual de androginia exilada. Desta vez a sina diz-se por si, atravessa todo o percurso descendente e detém-se na inevitabilidade do reerguer. A sensação é demasiado forte para me julgar capaz de a arrancar de novo, mesmo sabendo que é esse o caminho que vou seguir. Para cima, para o alto, para Deus. Descobri o meu inato reflexo daquilo que me julgo incapaz, o impulso que me tem feito escorregar a vida toda, curta mas inteira ou quase. Escorregar é mais perto do andar em pé, mais perto do que ficar quieto ou de me estatelar no chão. Aprendi a escorregar. Aprendi que escorregar pode ser gracioso e envolver a alma e o corpo e ser a minha primeira comunhão. Recuperar a alma do chão e juntá-la ao corpo. Habitar o corpo, sentir o corpo, escorregar de corpo. Encontrar a melhor maneira de escorregar...porque é só isso: um movimento interior desamparado mas ávido. Ouvir de dentro o destino de escorregar e de demorar nele mais tempo que na queda. Aquilo outra vez, o som, a sensação e o medo a sobrepor-se a tudo. A dor de cair retida na inevitabilidade de voltar a tentar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Lindo !

:)

bjo grande