sexta-feira, 30 de maio de 2008

Balançar

Barulho.
Som e movimento, a impossibilidade de habitar duas realidades ao mesmo tempo. Eles dizem que é possível, eu sei que me mentiram.
Pego no peso inteiro antecipando a colocação meticulosa, mas sem ver, das luvas de Latex.
Tudo esterilizadamente sujo, cirurgicamente inverdadeiro.
Acompanho o balanço, pego-lhe no princípio que eu própria nomeio, obrigo-me à prontidão.
Vá! Começa!
Esqueci-me e entretanto envergonho-me do esquecimento e invento melhor que da ultima vez que julguei que sabia.
Seca, seca de mais, gretada até. Deserto. Tudo árido.
O vento não existe.
Insisto no balanço, crio pela primeira vez: Vento.
Balanço-me nele, emociono-me na minha consolidada ignorância em bloco que afinal, não existia...Duvido primeiro, esqueço depois. Hoje não, amanhã repenso se a dança se ritmar por si e o peso se dissolver no vento que agora transborda pelos poros da pele inteira.
Amanhã talvez...sem adormecer...sono, não me embebedes agora, preciso desta sobriedade até que se agigante e possa tocar-me no vento. Chega! Só porque ainda não cheguei.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Tremor

Peço num instante às mão que dêem um instante aos dedos. Não me ligam, talvez gozem até...
Guio a ansiedade para o lugar mais calado, forrado a caixas de ovos e cortiça e tudo aquilo que possa impedir o som de sair. A combustão lança-se mais para deintro ainda, numa forma espiral, porém gasosa...inodora, incolor.
Digo que não quero.
Hoje não quero.
Não vou.
Não faço.
Não.
Não digo nenhum dos nãos e afirmo sempre a positividade decadente em que me faço transparecer na passagem inquestionável dos momentos a seguir aos anteriores. É sempre o próximo, no róximo, para o próximo.
Nunca foi.
Nunca fui.
Adormeço e acordo.
Acordo a desejar a póxima hora de adormer.
Acordo. A vida.
Na vida.
Apaixono-me e dou razão às teorias sociais e de contexto das emoções. Sou exemplo na cultura dos afectos e retiro aos animais aquilo que na verdade me faz sentir inferior a eles. Envergonhadamente abro os olhos na manhã seguinte. Primeiro triste, depois contente de ser já manhã e de não me ter demorado nas insónias ruidosas e sufocantes.
Mais um dia para cumprir.
Preparo meticulosamente a falha e compenso-a. Culpo-me mesmo ainda antes de falhar e retiro à culpa a sua identidade para lhe devolver a minha. Acalmo 0 tremor, dou-lhe nome, trato dele como nunca ui capaz de tratar de mim...
Choro as nuvens do céu inteiro e pela primeira vez sinto.
Afinal...
Agradeço.
Sim, vou.
Caminho intensamente, roubo os passos às pessoas todas das ruas todas aqui perto.
Toco à campainha, subo dois degraus de cada vez.
Apercebo-me que pela primeira vez, hoje, parei com umpé ao lado do outro. Entro, cumprimento, sento-me... Não digo nada...Ela ouve.
Obrigada.

segunda-feira, 26 de maio de 2008


Assisto à discussão acesa e sinto-lhe o crescente aumento da temperatura.

Culpam-se. Gritam. Agridem-se sem se poder tocar apesar de estarem juntinho desde que nasceram.

Quem é que começou? Respondem ao mesmo tempo e nem um nem outro quer dar a parte fraca.

Enrigecem e eu sinto a melhor das dores. A do corpo, com nome.

Músculos e tendões debatem depois de chegarem à conclusão que nenhum vai ser ilibado. Condenados e ainda por cima juntos.

Voltam as costas uns aos outros, os vários. De meio da perna ao alto do pescoço... parece que o sangue não circula e só uns restos chegam ao cérebro para processar bem a sensação, acentuá-la e justificá-la. Dou por mim a viver o masoquismo, a descansar obrigada, nele.

domingo, 25 de maio de 2008

Escorregar

Há qualquer coisa a fazer-se mover por mim. Foi tão cru, tão transparentemente cruel das outras mil vezes anteriores que agora... Paraliso. Imóvel de corpo digo para dentro: pára, por favor! Chega. Não quero tudo outra vez, tudo de novo já tão velho. Identifico os passos, releio o manual da sequência ritual de androginia exilada. Desta vez a sina diz-se por si, atravessa todo o percurso descendente e detém-se na inevitabilidade do reerguer. A sensação é demasiado forte para me julgar capaz de a arrancar de novo, mesmo sabendo que é esse o caminho que vou seguir. Para cima, para o alto, para Deus. Descobri o meu inato reflexo daquilo que me julgo incapaz, o impulso que me tem feito escorregar a vida toda, curta mas inteira ou quase. Escorregar é mais perto do andar em pé, mais perto do que ficar quieto ou de me estatelar no chão. Aprendi a escorregar. Aprendi que escorregar pode ser gracioso e envolver a alma e o corpo e ser a minha primeira comunhão. Recuperar a alma do chão e juntá-la ao corpo. Habitar o corpo, sentir o corpo, escorregar de corpo. Encontrar a melhor maneira de escorregar...porque é só isso: um movimento interior desamparado mas ávido. Ouvir de dentro o destino de escorregar e de demorar nele mais tempo que na queda. Aquilo outra vez, o som, a sensação e o medo a sobrepor-se a tudo. A dor de cair retida na inevitabilidade de voltar a tentar.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Thopos

Pressa. Andar depressa, mais depressa, um pouco mais ainda. Andar e andar, esquecer até o andar, tudo tudo menos a pressa. Não pensar, só pressa. Mais depressa!
Só a pressa, só a pressa importa agora. Esperei demais, demasiado tempo e é a pressa acumulada que me faz correr agora.
Suspendo um instante qualquer, à sorte ou ao azar, não importa...
Ainda não está, não é aqui. Choro por dentro o medo de nunca chegar, de já ter passado e não ter visto, da falta de pressa, da pressa demasiada. Grito por dentro, o medo e a raiva, a raiva de tanto medo acumulado em forma de força exercida no sentido errado. Morro por dentro, encontro a vida e ela goza comigo...em vão em vão e vão. Dor por dentro, demasiada para se conter, congela em pé os pelos do corpo inteiro, acorda o corpo do modo de piloto automático. Não pode cair, nunca pode, nunca soube ser possível cair, ou levantar depois disso acontecer. Demasiado tempo de pressa invertida, de pressa perversa para chegar lá... A utupia feia, mais feia que utópica mas ainda assim...utupia.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Ter pé

Cada vez que cai ressente a queda numa força maior que a da realidade.
Ensinaram-lhe a pensar com a cabeça e a adequação demora a chegar... é que pensar é mais das mãos do que qualquer outra parte do corpo. Ela sabe. Só ainda não sente. É é no sentir que estão as mãos. Mais do que em qualquer parte do mundo.
Demora-se na queda, mais do que no chão ou no estar de pé.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Campainha

A campainha toca.
Alguém a quer à porta.
Alguém lhe pede a presença, o mesmo alguém que pensa que tê-la presente é tê-la inteira.
Ela está abraçada pelos lençóis brancos que a tia lhe deixara de herança, demasiado embrenhada neles, extasiada pelo afecto que lhe roçam na pele.
A campainha volta a tocar, agora mais demoradamente.
Confunde-se se será sonho, o toque dentro do sonho ou o pesadelo da realidade.
Pensa só na campainha, nunca que é alguém que a toca.
Depois desconfia... Tem medo da hipótese, congela o corpo para o vento não ser maior.
A campainha toca mais uma vez, depois o toque... o som do punho cerrado a tocar e a afastar da madeira.
Conta.
Quatro vezes.
O "alguém" ganha corpo e põe-se a pensar em todas as hipóteses, pessoas que poderiam insistir na sua presença à porta de sua casa.
Odeia a pessoa, já com corpo mas ainda sem rosto.
O silêncio diz-lhe que está de novo sozinha.
Sente frio, a raiva da interrupção vira-se do avesso...Oferece cara ao corpo e corre de pés frios no chão gelado até ao hall. Olha-se ao espelho, acredita.
Abre a porta.
O elevador chegou ao rés do chão.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Disseram-lhe que quando fica escuro o sinal permaneceria.
Não o encontra... Olha o escuro com os olhos mais abertos que durante o dia.
Tinham-lhe dito. Alguém lhe prometera.
Encontrar o sinal seria a certeza do mundo que pisa ser ainda o mesmo. A dúvida é aterradora mas parece-lhe demasiado ridículo esperar que o sinal se encha luz... ele nunca se apagaria. Será o mundo ainda o mesmo?Ou os passos os mesmos num mundo já outro?

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Sede

Gostava que a pressa se dissesse de outra maneira. Ou então gostava de a dizer mais devagar, de demorar nela mais tempo e lhe sugar o sentido para depois acalmar...A pressa corre-me e paralisa-me até... às vezes. Às vezes só depois de não haver mais nada a fazer ou depois de eu acreditar nisso, na facilidade de não valer a pena ter pressa. Dizem que a pressa é típica dos novos, de quem tem ainda muito tempo, mas eu nunca percebi isso... Não são os velhos quem tem menos tempo para viver? Então?! Tenho pressa, ainda não passou, e ainda bem...mas pressa da outra, da que não faz querer correr, só perguntar...tenho sede.

domingo, 11 de maio de 2008

O mar que enrola na areia

Tenho saudades do mar... Esqueci-me que a primavera vem logo a seguir ao inverno e com ela uma data de gente a invadir a areia, a correr que nem loucos cheio de sol por dentro e por fora da pele. Este inverno foi demasiado rápido ou então fui eu que me atrasei e perdi-o... É no inverno que vou mais vezes ter com ele, com a chuva numa mão e o vento pela outra... Sinto-me acompanhada... da mistura perco-me, esvazio-me da vergonha e regresso... Deixo o mar e troco a saudade pela calma da sua persistência, e é como se ele falasse. Eu calo-me como se essa fosse a única maneira de resguardar os segredos, um pacto entre os nossos silêncios, a certeza da paz, depois...

sábado, 10 de maio de 2008

Montanha

Às vezes a linha recta não existe, as voltas tornam-se não só necessárias como o único modo de fazer o caminho. Enquanto as percorria ocupava-se a pensar na perda de tempo que a inexistência de um caminho mais curto lhe causava. Perdeu toda a energia, consumiu-se inteira por dentro só a imaginar. Anoiteceu mas nunca perdeu, o caminho era demasiado certo e, sem saber bem porquê tinha a nítida sensação de sabe-lo de cor. Um passo, depois outro e outro ainda. Queria chegar. Só o fim não chegava e a ansiedade tornava-lhe o corpo demasiado real para se perder acima da cabeça a prolongar o "se...".Decidiu habitar os pés e envolver-se no som deles a carregar o chão. Aumentou a velocidade e seguiu hipnotizada no seu balançar. Depois de tudo quis parar, mas não podia... não havia nome para a paragem, morava num não-lugar agora. Não sabia ainda o que era a utopia, sabia só que ela era estéril.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Eco

Um grito fugiu na esperança de encontrar um muro onde pudesse nascer, nascer à séria como as pessoas. Chegar ao muro seria como desabrochar, sair da bolsa da mãe, expulso do útero. Não pensou antes de partir e percorria apenas o caminho demarcado na sua fantasia, ainda segredo por não ter sido gritado. Houve um dia que pensou voltar atrás, mas lembrou-se que de onde tinha vindo a única regra era a impossibilidade de inverter o sentido...e, se já tinha saído, não podia voltar a entrar. A falta de alternativas gelaram o grito e quando estava quase quase no fim da queda, demasiado longe, um sopro de Deus devolveu-lhe o rumo, e desta vez...seguiu. O vento parou e o grito quis voltar a encontrá-lo...sentia-se demasiado sozinho. Um dia, pensou na chegada. Pela primeira vez pensou verdadeiramente no ponto final, o objectivo último. Sabia que o caminho não ia durar para sempre e percebeu, pela primeira vez que o muro seria a sua última cama.

sábado, 3 de maio de 2008

Mudar

Às vezes o desejo da mudança vem com ar de "nunca chegues", nunca venhas ou eu morro. A ameaça infantil de quem não sabe o que diz... e ao mesmo tempo deseja, de alma e corpo já adultos. Prefere ficar no limbo, entre o passo que não se deu e a preparação para o fazer. Há dias com certezas, com a força estagnada e em ebulição nos músculos, tudo sublimemente pronto. Ninguém pode tocar. É que a força é por vezes a fragilidade maior, o diamante com alma de vidro. A distracção é invisível, sem corpo. O medo surge em forma de poça da chuva que caiu nos telhados e o pé sabe que lá vai cair...Não vale a pena,não vale a pena tentar desviar o rumo, vais lá cair e ris-te de escárnio do teu pé. Começaste a voar. Chegou o dia da mudança.

Acorda, foi só um sonho.

É preciso muito mais do que isso.

Dorme outra vez.