quinta-feira, 17 de abril de 2008

Gémeos

Acordo meio atordoada entre o riso nervoso e o medo da ilusão verdadeira na concretização do sono do indesejado sonho.
Não, não quero.
Estava de corpo igual, barriga pesada, insuportavelmente grande que nunca niguém conseguiu ver para além de mim. Passaram nove meses e só nos últimos eu tive a certeza. Guardei o segredo como quem se guarda a si própria, sabendo que de nada valia mas sem que isso tivesse qualquer influência no meu silêncio.
Fui a uma loja, com muitos senhores de bata branca e barbas compridas, óculos, altos...todos sentados de postura correcta como quem espera na loja do cidadão e a sua vez dependesse do atento e mais direito olhar. Não quis trocar qualquer sentido com eles. Queria fugir da barrig e enfrentei, ainda que a medo, o passo seguinte. A barriga tinha de se desfazer e eu refazer a minha vida com o seu interior. Decidi os nomes já deitada:Lourenço e Maria. Quando voltei ao mundo na cama da loja, tinha uma senhora de bata branca, muito maquilhada, como quem distribui amostras dos cremes La Prairie na companhia dos perfumes. Foi ela que me assistiu mas, demasiado ocupada para se dedicar inteiramente a mim, deixou-me com o Lourenço em cima da pele...O leite esguichava do peito, eu provei-o, queria esvaziar-me inteira...todo aquele volume era muito mais insuportável que a grande mudança de miúda para mãe. A Maria saiu sozinha, apressada. Ao contrário do Lourenço não tinha caracóis loiros nem falava...ficou a dormir ao pé de mim...a aquecer-me...O Lourenço pedia sopa, eu só tinha leite vindo de dentro. Alguém lhes pegou, vestiu-os...eu sentei-me...agora podia...livrar-me da barriga, devolveu-me a mobilidade. Sou mãe, não conto ao pai...ele não vaiquerer saber. Fico eu com eles, sem pensar se sou ou não capaz... pela primeira vez não me ponho em dúvida. Estou, é um facto.Experimentei ser mãe, ainda que em sonho...Acordo, com o medo que não tinha enquanto sonhava.
Respiro fundo, bebo água...
Volto a adormecer.

Sem comentários: