sexta-feira, 11 de junho de 2010

um bocadinho de pai

Não percebo tantas vezes o nosso choque...
Era a tua menina e não me importava nada com aquela expressão de "a menina do papá". Pedia-te colo para ouvir a conversa dos adultos, não queria brincar... Hoje não sei se eram mais as conversas que me interessavam se era o teu colo forte, eras tão grande, és tão grande. Eras a única pessoa que me fazia sentir sempre pequenina quando me começavam a chamar 'gazela' por ter crescido primeiro que as outras meninas. Na formatura eu ficava sempre no fim, longe das amigas, era por alturas e eu ficava ali ao fundo a observar os cochichos quando ninguém podia falar.
Nunca me trataste como uma menina, mas como uma igual a ti. Grande. Mas tu também nunca te levaste muito a sério, ainda te pesa imenso a adolescência que gostavas de ter tido e ficas aí, a ruminas essa angústia em vez de aproveitares a vida que conquistaste... Não me ensinaste que a vida podia ser prazerosa...não que não mo tenhas dito, mas dizem os psis que as crianças aprendem pelo que vêem fazer e não pelo exemplo. Não te critico minimamente...tu também não foste ensinado...
Lembro-me das conversas adultas, de te ver a chorar sem veres lágrimas, das coisas que me querias dizer mas que eu não te podia deixar dizer porque uma miúda não pode ouvir essas coisas.
Lembro-me de te descobrir e não te contar, lembro-me de tudo o que me querias dizer e nunca disseste porque não sabias como dizer. E lembro-me de ficar tão magoada pela forma crua e despida como dizias aquilo que depois, quando me vias a chorar, colmatavas com "não era isso que eu queria dizer"... Conhecemo-nos há 23 anos mas não podes exigir que eu te oiça e que transforme as palavras no que tu estás a pensar mas não dizes à espera que eu adivinhe. Vou-te contar um segredo: isso enlouquece as pessoas...
Disseste um dia que sentiste que aos 11 anos fui fazer uma viagem e só voltei muitos anos depois... doeu, porque eu senti exactamente o mesmo... a viagem que fiz foi por ausência de abrigo aqui... e sei que estiveste cá sempre, mas eu não sabia dizer, queria só que me pegasses ao colo como eu pensei que fosses fazer para sempre.
Sempre me irritei contigo quando te ouvia falar com aquela acomodação que sabes que não suporto, sempre te orgulhaste em segredo por discordarmos em tantas coisas, por veres desde muito cedo a minha consciência politica e social... Sempre olhámos um para o outro com uma cumplicidade que absolutamente mais ninguém entende...e ela sempre teve ciúmes, ambos sabemos.
Por seres o único que me faz desatar a chorar e tens a capacidade de me estragar o dia quando és inteiro desilusão sobre mim, por não perceberes nada do que se passa mas assumires isso, por sempre me teres dado toda a liberdade mesmo quando eu não a deveria ter, por nunca te teres oposto mesmo quando sabias que escolhia o caminho errado, por me ensinares, por não teres jeito nenhum para ensinar o trivial, mas o resto... por aprenderes comigo mesmo nunca admitindo... por ver o teu orgulho em mim, de soslaio...por continuar a precisar de ti...
Gosto tanto de ti.
Passei tanto tempo a tentar conquistar o teu amor que me perdi tantas vezes, chorei tantas vezes... às vezes podias dizer...
Gosto de ti
Eu não sou essa fortaleza que julgas, eu também choro papá... e gosto de dizer e de ouvir coisas bonitas, eu sou mesmo uma pirosa de vez em quando.
Hoje é o teu dia
Parabéns pai

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